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Envelhecimento, Senescência, Senilidade

Marcela Cypel Membro do Corpo Clínico CEOSP Pós-graduanda do Departamento de Oftalmologia da UNIFESP, Coordenadora do Projeto 100 anos na UNIFESP
Com o envelhecimento da população, torna-se cada vez mais urgente pensar em novas formas de se abordar a saúde ocular do idoso e garantir assim sua qualidade de vida.

Envelhecimento, Senescência, Senilidade

 

Envelhecer é um processo universal e inexorável, de evolução contínua, caracterizado pela perda progressiva da reserva funcional (capacidade máxima de desempenho diante de uma situação de agravo) de cada órgão.

Dados mostram que a população idosa no Brasil vai continuar a aumentar, seguindo a tendência mundial. Pensar sobre estes processos e aprender com eles assumiu uma nova importância nos dias de hoje. Junto com a geriatria, desenvolveu-se também a gerontologia, termo mais amplo que engloba a geriatria e faz a ligação com as diversas ciências relacionadas ao idoso ou ao processo de envelhecimento.

A população mundial em 2005 é 6,5 bilhões, prevista para atingir 7 bilhões em 2021. O número de idosos no mundo hoje, acima de 60 anos, é de 600 milhões (OMS), podendo duplicar até 2025 e atingir 2 bilhões em 2050. No Brasil, há 170 milhões de pessoas, segundo dados de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Destes, 15 milhões têm mais de 60 anos, representando 8,6% da população. A projeção é que esse número tenha subido para 18% da população em 2050. Acompanhando o crescimento populacional vem o aumento da expectativa de vida desses idosos: enquanto no Japão essa estimativa já chega aos 80 anos, no Brasil ainda estamos ao redor dos 70 anos.

Constatar estes fatos não é suficiente. É preciso pensar em suas possíveis repercussões: mais idosos, mais aposentados, mudanças no padrão de consumo desta população – idosos morando sozinhos terão necessidades específicas; se morando com familiares, necessitarão de facilidades para sobrecarregarem menos seus parentes e poderem ser úteis à família. Os oftalmologistas têm de planejar as condutas e os programas de atendimento destes idosos: mais idosos, maior a chance de doenças circulatórias, maculares, glaucoma, descompensação corneana, entre outras.

Devemos avaliar este panorama com uma postura cuidadosa. Já são vários os estudos populacionais com enfoque na visão de pessoas com mais de 60 anos: Framingham Eye Study, Blue Mountains Eye Study, Copenhagen City Eye Study, Rotterdam Study, Shihpai Eye Study. No Brasil, um grande inquérito está sendo concluído na cidade de São Paulo. A literatura nacional sobre o tema vem crescendo e novas contribuições devem surgir com mais dados referentes à nossa população idosa.

O viver mais deve estar associado ao viver com maior qualidade. Se a baixa visão compromete a autonomia do indivíduo, ela conseqüentemente prejudica sua qualidade de vida. Como oftalmologistas, talvez possamos interferir em parte nesse contexto. A manutenção de uma melhor visão pode fazer uma enorme diferença.

O idoso que enxerga mal aumenta seus riscos de queda, atropelamento, uso trocado de medicação ou dosagem errada, resultando em complicações importantes e até risco de morte. Muitas vezes a baixa visão acarreta o isolamento e a depressão, afastando o indivíduo do convívio, transformando-o de aliado em fardo frente às necessidades da família. Um estudo australiano mostra dados concretos de que a piora visual aumenta em duas vezes o risco de queda, em três vezes o risco de depressão, de quatro a oito vezes o risco de fratura de quadril, antecipa a internação em asilos em três anos antes e aumenta em duas vezes a dependência social.

CONDIÇÕES MAIS COMUNS

As quatro principais afecções que acometem o idoso são falta de óculos, catarata, maculopatia relacionada à idade, bem como o glaucoma e, cada vez mais freqüentes, as alterações relacionadas à diabete. A prescrição correta de óculos permite, de forma simples, auxiliar o idoso a melhorar seu contato com o mundo. Somente há pouco tempo foi conferida uma maior importância aos erros refrativos como causa de baixa visão e cegueira. Trabalhos recentes mostram que inúmeras pessoas no mundo estavam sendo classificadas como tendo baixa visão ou cegas por erros refrativos não corrigidos ou uso de correção desatualizada.

A mudança na forma de valorizar os erros refracionais fez com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) colocasse como prioridade a eliminação deste tipo de cegueira reversível. Um trabalho realizado com pessoas acima de 60 anos na periferia de São Paulo demonstrou que o erro refrativo foi a principal causa dentro das alterações oculares encontradas correspondendo a 71,04 % de um total de 801 idosos examinados. A incidência inicial de cegueira bilateral moderada foi de 1,00% e a de cegueira bilateral grave foi de 1,38%. Após a refração e a correção óptica adequada, os valores diminuíram para 0,25% e 1,25%, respectivamente.

A segunda condição mais freqüente no idoso é a catarata. Uma das principais causas de cegueira curável, a catarata representa um problema de saúde pública que interfere negativamente na qualidade de vida dos pacientes. A prevalência de catarata, comparando dados mundiais, varia de 12% a 50% nas pessoas acima de 65 anos, aumenta com a idade e é maior no sexo feminino. Observa-se, especialmente nos portadores de catarata acima de 80 anos, estreita relação entre a acuidade visual e o comprometimento da realização das atividades diárias.

Talvez a grande vilã entre os problemas oculares mais comuns entre os idosos seja a maculopatia relacionada à idade. O processo degenerativo sofrido pela retina é inegável, embora saiba-se que existem diferentes níveis de gravidade e que ele pode ocorrer mais cedo ou mais tarde no idoso. Essa degeneração freqüentemente traz significativa perda visual, com limitada possibilidade de melhora. Sua incidência aumenta fortemente com o passar dos anos, podendo-se dizer que o risco de DMRI triplica dos 65 anos para a faixa entre 65 e 74 anos; quadruplica para a faixa acima de 80 anos; e aumenta ainda mais se considerarmos pacientes acima de 90 anos.

Por último, mas não de menor impacto na população idosa, vem o glaucoma. No Brasil, o glaucoma é considerado uma das principais causas de cegueira incurável. Quanto à retinopatia diabética tipo 2 (mais freqüente nos idosos), as estimativas têm atingido níveis de 20% entre a população acima de 65 anos, metade destes não diagnosticada.

No entanto, é importante atentar para o fato de que não basta apenas saber os principais acometimentos na faixa após os 65 anos. Se fizermos a pergunta a seguir veremos que esse novo mundo é mais abrangente e necessita de melhor estudo: “Um idoso de 65 anos é semelhante a um idoso de 90 anos?” A resposta é “Não”. Fica, portanto, evidente que o olho de um idoso de 65 anos deve ser pensado de forma diferente de um olho de 90 anos de idade. Vale destacar que nos próximos anos cada vez mais se verá a divisão desta área de acordo com sub-grupos etários. Da mesma maneira que a pediatria divide os recém-nascidos das crianças maiores, também é óbvia a diferença entre pacientes de 60 anos (já considerados idosos pela OMS) de pacientes de 90 anos ou mesmo centenários, em grande ascensão no mundo devido, em parte, aos crescentes avanços da medicina.

NOVA PROBLEMÁTICA

Abre-se, assim, uma nova problemática. Teremos maior poder de atuação se conhecermos as características da cada um destes diferentes grupos de idosos. Obteremos mais sucesso em sua abordagem se soubermos, por exemplo, que pesquisas realizadas na área de cardiologia mostram que idosos tendem a aderir menos ao tratamento quanto mais idade tiverem.

Também devemos ter em mente que o idoso, na maioria das vezes, além da idade, tem associado duas, três, quatro ou até mais patologias. A expectativa de uma doença que justifique todas as alterações de um indivíduo tão ensinada nos primórdios da faculdade de medicina não se aplica ao idoso.

Se o olho envelhece, degenera ou evolui com catarata, é nosso compromisso tentar contornar tais processos da melhor forma possível. Se ficarmos atentos, saberemos o momento adequado e a maneira correta de intervir, de acordo com a idade e demais fatores de risco, a co-morbidade (várias doenças presentes simultaneamente), assim como a polifarmácia (pacientes geralmente tomam muitos remédios diferentes) e a maior sensibilidade dos idosos a medicamentos sistêmicos. Existem ainda pouquíssimos dados sobre a sensibilidade ocular de medicamentos tópicos.

No caso da prescrição adequada de óculos para a população idosa, o incentivo de campanhas de exames de refração precisa ser associada à possibilidade de fornecer ao paciente, pela própria unidade de saúde, os óculos do tipo “genérico” (modelos básicos e de baixo custo). Há 6 anos foi feito no Brasil um projeto piloto com o fornecimento de 12 mil óculos, pagos pelo Ministério da Saúde e fornecidos pelo próprio oftalmologista, com grande sucesso nos estados de São Paulo, Piauí, Amazonas e Pernambuco. O projeto para 120 mil óculos que deveria segui-lo foi infelizmente abandonando.

A continuidade dos mutirões de catarata, diabete e glaucoma já são boas soluções, podendo ser cada vez mais potencializadas, principalmente se oferecidos por instituições especializadas, com tecnologia de massa e economia de escala. Quando custeados diretamente pelo Ministério da Saúde, destacavam-se pela menor burocracia.
Na área da degeneração macular relacionada à idade, talvez os esforços devam se concentrar nas áreas de pesquisa para tratamento e fatores predisponentes, além da busca de modalidades terapêuticas com custo/benefício adequada à realidade brasileira.

O idoso não precisa chegar à terceira ou quarta idade enxergando mal. Se isso acontece, não devemos encarar o fato como parte da história natural do envelhecimento. O ganho de 1 ou 2 linhas de visão pode fazer com que o idoso mantenha sua independência. S este ganho for na visão de perto, ajuda a preservar a leitura, uma de suas principais atividades, como meio de interação social, diversão e contato com o mundo.

O idoso precisa de atenções especiais em alguns aspectos, mas é, de maneira geral, como qualquer outro indivíduo que precisa da manutenção de sua rede de informações e afeto para se manter ligado ao que se passa ao seu redor. Em termos oftalmológicos, o que vai lhes permitir ter isso é a possibilidade de diagnóstico precoce e políticas de prevenção direcionadas a eles e suas problemáticas.

Colaborou Rubens Belfort Junior, professor titular de oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Revista Universo Visual – Web