Em geral, as neoplasias mais freqüentes em adultos dificilmente ocorrem em crianças. Além disso, os tumores infantis, que acometem os menores de 15 anos, diferem dos tumores típicos de adultos em relação à sua localização, tipo histológico e comportamento clínico.
LEUCEMIAS
Dentre todas as neoplasias infantis, as leucemias representam as mais freqüentemente diagnosticadas, sendo responsáveis, na maioria das populações, por 25% a 35% de todas as neoplasias malignas pediátricas. Entre as leucemias, as mais comuns são as agudas e, dentre estas, a leucemia linfocítica aguda (LLA) é a mais freqüente, totalizando cerca de 75% a 80% de todas as leucemias.
O envolvimento ocular nas leucemias é bastante freqüente, chegando a 90% dos casos. Via de regra, não há correlação entre o grau de envolvimento retiniano e a contagem de eritrócitos, leucócitos, ou prognóstico de vida. O nível de células plaquetárias, entretanto, apresenta relação direta com a presença de hemorragias retinianas.
Os diferentes tipos de leucemias são clinicamente impossíveis de diferenciação pelo exame fundoscópico. De uma forma geral, as manifestações oculares ocorrem nas leucemias agudas, sendo a mais freqüente a leucemia linfóide aguda, decorrente de dois fatores:
- infiltração leucêmica, com invasão direta tecidual por células neoplásicas. Ocorre em apenas 3% dos pacientes;
- retinopatia leucêmica decorrente de anormalidades hematológicas secundárias ao processo leucêmico e infecções oportunistas, como anemia, trombocitopenia, hiperviscosidade sanguínea e infecções principalmente por citomegalovírus, sendo estas muito mais freqüentes;
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
- Infiltrados leucêmicos em retina, coróide ou vítreo, com nódulos branco-acinzentados de tamanhos variáveis e células neoplásicas vítreas
- Hemorragias retinianas em todas as camadas retinianas;
- Manchas algodonosas, decorrentes de processos isquêmicos e insuficiência vascular.
- Manchas de Roth – hemorragias com centro branco correspondentes a células tumorais e trombos fibrinoplaquetários ocluindo vasos sanguíneos rompidos;
- Epiteliopatia pigmentada leucêmica – manchas de leopardo.
- Aumento da tortuosidade vascular, com embainhamento vascular acinzentado
- Oclusões venosas com conseqüente neovascularização periférica.
- Borramento de papila ou papiledema franco não são achados raros e nem sempre decorrem de hipertensão intracraniana.
Não há tratamento específico para o quadro ocular. A terapia consiste no tratamento da leucemia.
LINFOMAS
Os linfomas, após as leucemias e tumores do sistema nervoso central (SNC), constituem o terceiro tipo de neoplasia de maior incidência em crianças, abrangendo cerca de 10% dos casos de neoplasia infantil. Predominam em crianças entre 10 e 14 anos. Os linfomas não-Hodgkin são aproximadamente uma vez e meia mais freqüentes do que a doença de Hodgkin. Os tipos histológicos mais frequentemente encontrados na infância são: linfomas de Burkitt, seguido pelos linfomas de grandes células e os linfomas linfoblásticos.
Crianças com imunodeficiências, tanto herdadas quanto adquiridas, apresentam maior probabilidade de desenvolver doenças linfoproliferativas, assim como aquelas portadoras de desordens auto-imunes (anemia hemolítica auto-imune e púrpura trombocitopênica idiopática).
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
- As manifestações oculares são pouco freqüentes. Quando há representação leucêmica dos linfomas, podem ocorrer as mesmas manifestações retinianas já descritas para leucemias.
- Nos casos onde há acometimento do SNC pelo linfoma, pode haver papiledema secundário à hipertensão intracraniana e esta pode ser a primeira manifestação da doença.
- Podem ocorrer infiltrados multifocais esbranquiçados sub-retinianos coalescentes em anel, vitreíte e uveíte anterior crônica, geralmente leve e não responsiva a corticóides.
- Alterações vasculares incluem perivasculite, oclusões vasculares e hemorragias intra-retinianas.
Mesmo nos casos onde há o envolvimento primário ocular pelos linfomas na infância, o tratamento sistêmico quimioterápico é preferível.
ANEMIA
Manifestações oculares podem estar presentes em até 90% dos pacientes com discrasias sanguíneas. Na infância, as anemias representam o principal distúrbio hematológico, e a investigação deve ser minuciosa.
A manifestação mais freqüente relacionada à anemia é a palidez conjuntival. Tanto hemorragias subconjuntivais quanto retinianas só ocorrem em anemias graves. Seja qual for a etiologia, os achados oftalmológicos são inespecíficos e não relacionados à causa da anemia, sendo proporcionais apenas à gravidade, velocidade de instalação e fatores associados, como trombocitopenia ou células blásticas tumorais que aumentam a incidência de hemorragias intra-oculares. Segundo Papadaki et al, 69% dos pacientes com concentração de hemoglobina (Hb) < 7g/dl manifestam hemorragias retinianas. Contagem de plaquetas inferiores a 50.000/ml também aumentam o risco de retinopatia associada à anemia.
As principais alterações retinianas relacionadas a anemias são as seguintes:
- hemorragias retinianas puntiformes ou superficiais em chama de vela associadas à tortuosidade vascular e fundo pálido;
- machas algodonosas, resultantes de hipóxia e microinfartos vasculares;
- edema de papila geralmente decorrente de hipertensão intracraniana ou hemorragias cerebromeníngeas associadas a leucemias e aplasias;
- O tratamento consiste na cuidadosa avaliação da doença de base e tratamento da anemia.
Prof. Dr. Michel Eid Farah
Diretor do CEOSP